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terça-feira, 30 de agosto de 2011

O USO DE CORTICOSTERÓIDES NA SÍNDROME DE GUILLAIN BARRÉ estudo de 51 casos

A síndrome de Guillain - Barré, ou polirraiculoneurite pós-infecciosa, é afecção
rara ( incidência de 1 a 1,7 por 100 . 0002.8) , com curso clínico imprevisível, comportando desde formas frustras, oligossintomáticas, até quadros extremamente graves que requerem internação em unidades de terapia intensiva. Há, além disso, tendência à recuperação espontânea após períodos variáveis de tempo.
Por tudo isso, é muito difícil o estudo da eficácia de qualquer modalidade terapêutica nessa doença. Diversos mecanismos etiopatogênicos têm sido postulados para explicar a desmielinização observada nessa síndrome 3: a) um agente infeccioso atacaria diretamente a célula de Schwann, levando à desmielinização;b) a célula de Schwann, ao ser lesada pelo agente infeccioso, liberaria material
celular antigênico que desencadearia resposta imunonógica do hospedeiro contra
a sua própria mielina;c) o agente infeccioso ( vírus) incorporaria ao seu invólucro material proteico proveniente da membrana da célula de Schwann,
tornando - se antigenicamente semelhante a ela elevando o hospedeiro a produz ir
anticorpos que apresentam reação cruzada com a sua própria mielina; d) o agente infeccioso conteria, desde o início, antígeno ( ou antígenos) em comum com a célula de Schwann, o que levaria ao ataque imunológico simultâneo contra o micro organismo invasor e contra as proteínas da bainha de mielina;
e) existiria um baixo nível de sensibilização a os antígenos do nervo previamente
à infecção e esta atuaria como um adjuvante, aumentando acentuadamente esse
grau de sensibilização; f) há casos em que o agente etiologico é de algum modo relacionado a eventos diversos, que não sugerem infecção prévia ( cirurgias, por exemplo) e nessas circunstâncias, é ainda mais difícil propor teorias
que expliquem o processo desmielinizante. Postula - se uma ação adjuvante, como no item "e". À luz d essas teorias etiopatogênicas, têm sido empregadas medidas terapêuticas que atuam sobre resposta imunitaria do doente e, tais como os corticosteróides, outras drogas imunossupressoras, e a plasmaferese. Entretanto,as dificuldades de avaliação dos resultados, devidas a os fatores já citados, juntamente com os riscos de complicações iatrogênicas, justificam a atitude de ceticismo cauteloso adotada por muitos médicos.
Trabalho realizado na Unidade de Neurologia do Hospital de Base do Distrito Tendo em vista a existência dessa controvérsia básica, entre autores que defendem a terapêutica imunossupressora ( particularmente os corticosteróides em altas doses) e outros que não a recomendam, e por acreditarmos que para a elucidação dessa questão será necessário confrontar o maior número possível de experiências, decidimos relatar a casuística da Unidade de Neurologia do H B D F.
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
Foram analisados, retrospectivamente, os prontuários de 51 pacientes internados na Unidade de Neurologia do H B D F, com diagnóstico de síndrome de Guillain - Barré, no período de 10 anos compreendido entre 1974 e 1984. A seleção dos pacientes para inclusão neste estudo obedeceu aos seguintes critérios ( Asbury, 1978): 1. progressiva perda de força, mais ou menos simétrica, com arreflexia; 2. sintomas sensitivos levese moderados; 3. acometimento de nervos cranianos;4. disturbios autonômicos H cardiovasculares; 5. líquido c e falorraquidianc* ( L C R) com: a. proteína aumentada ou normal; b. máximo de 50 o células / mmB, predominantemente mononucleares; 6. eletromiografia com: a. velocidade de condução nervosa diminuída ( menos de 60% do normal ) ;b. latência distal aumentada. O item 1 foi considerado essencial e os demais como fortemente sugestivos do diagnóstico.
Esses pacientes foram agrupados em três categorias diferentes, correspondentes a três níveis diferentes de gravidade, caracterizados por: a. preservação da capacidade de deambulação ( grupo I ) ; b. perda da capacida de de deambulação ( grupo I I ) ; c. necessidade de assistência ventilatória por aparelhos ( grupo I I I ) . Esses três grupos continham, respectivamente, 10, 31 e 10 pacientes. Comparamos, em cada um desses grupos,um subgrupo de pacientes que receberam prednisona ( de 40 a 100 mg por dia) ou dexametasona ( de 4,5 a 16 mg por dia) com outro cujos doentes não foram tratados com essas drogas. Essa comparação incluiu a evolução clínica ( grau de recuperação, seqüelas,
complicações, causa mortis) e o tempo de internação. A significância estatística dos resultados foi avaliada pelo test «t».
RESULTADOS
Grupo I — O grupo de pacientes nos quais não houve perda da capacidade de
de ambulação continha 3 mulheres tratadas c om corticosteróides ( sub grupo CC) e 5
homens e 2 mulheres tratados sem essas drogas ( sub grupo S C ). Destes 10 pacientes,8 tinham idades entre 15 e 45 anos. O tempo transcorrido entre a admissão hospitalar e o estabelecimento do déficit motor máximo foi inferior ou igual a uma semana em dois pacientes e de aproximadamente duas semanas em outra doente do sub grupo CC.Já no sub grupo SC, dois pacientes evoluíram para esse déficit máximo em período menor
ou igual a uma semana, dois o fizeram entre uma e duas semanas e outros dois entre duas e três semanas. No sétimo paciente as informações do prontuário não permitiram avaliação exata desse tempo. O tempo de internação variou de 8 a 16 dias,
com média de 12,3 e desvi o - padrão de 3,2 dias no sub grupo CC, e de 8 a 24 dias, com
média de 18,1 e desvio - padrão de 5,4 dias no subgrupo SC. No subgrupo SC, um paciente apresentava paresia facial um ano e quatro meses após a alta, outro tinha
fraqueza muscular distai dois meses após, enquanto um terceiro ainda tinha fraqueza distal três anos após deixar o hospital. No subgrupo CC, um paciente referia dormência nos pés quando visto no ambulatório após um mês e quinze dias e outro apresentava diminuição da força muscular no terceiro quirodáctilo direito e arreflexia tendinosa após 7 meses.
Grupo II — Este grupo de pacientes, caracterizado pela perda da capacidade de deambular, constava de 11 doentes tratados com corticosteróides ( sub grupo CC) e 20
doentes que não receberam tal medicação ( sub grupo S C ). O primeiro subgrupo era composto de 6 homens e 5 mulheres e o segundo de 14 homens e 6 mulheres. Vinte e três desse total de 31 pacientes tinham idades entre 15 e 45 anos. O tempo decorrido da admissão hospitalar ao déficcit motor máximo foi menor ou igual a uma semana em três pacientes do subgrupo CC e em 14 pacientes do subgrupo S C; ficou entre uma e duas semanas em três doentes CC ( em dois esse tempo não pôde ser bem determinado)e em dois pacientes do subgrupo S C; em 4 doentes CC e outros 4 SC esse tempo foi de duas a três semanas. tempo de internação variou de 15 a 58 dias,com média de 32,8 e desvio - padrão de 12,5 dias nos pacientes do subgrupo CC e de 8 a 235
dias, com média de 49,4 e desvio - padrão de 51 dias, nos doentes do subgrupo SC. No
subgrupo SC, 19 pacientes melhoraram em prazos de 8 a 124 dias, sendo que, destes,
14 deixaram o hospital andando e um saiu curado com um mês de doença. Apenas 9
pacientes deste subgrupo retornaram ao ambulatório entre um mês e três anos após a alta. Um destes ficou com diminuição da força muscular nos membros superiores
após três meses de seguimento, porém não retornou para consultas subseqüentes, assim
como um outro que ainda se mostrava inseguro para andar após dois meses . de doença.
No subgrupo CC, 10 pacientes melhoraram em prazos de 20 até 58 dias. Dentre os que
retornaram ao ambulatório, um doente ficou com atrofia dos supra - espinhosos e deltóides,
outro tinha diminuição da força muscular nas mãos e pés seis meses após ter recebido
alta deambulando. Dois pacientes do subgrupo CC apresentaram recidivas da doença,sendo tratados coma reinstituição da corticoterapia, o que resultou em melhora em um dos casos mas não impediu o estabelecimento de seqüelas definitivas, motoras, sensitivas etróficas, no outro: dois anos após a alta, a paciente apresentava marcha escarvante bilateral, amiotrofia distal nos quatro segmentos, mão em garra, parestesias e hipoestesi nos pés, hipomimia facial. Ela levou três anos para andar sem muletas. Dois outros casos merecem atenção especial pelas seguintes particularidades: ha a constatação de edema de papila, em uma paciente do subgrupo SC, em correspondência com proteinorraquia de 350 mg %; três anos após o início da sua doença ela permanecia incapaz de andar; b. apresença de uma forma de Miller Fisher, com a taxia, arreflexia e oftalmoplegia, observada em um paciente do subgrupo CC; ele evoluiu para a cura após 35 dias de internação.
Grupo I II — O grupo I II foi aquele dos pacientes graves, que necessitaram de suporte ventilatório mecânico. Constou de 4 pacientes tratados com corticóides ( subgrupo C) e de 6 pacientes tratados sem esse tipo de medicação ( sub grupo S C ). Não foram
incluídos no subgrupo CC pacientes em que o corticóide só foi utilizado por ocasião de complicações sistêmicas graves, quando a intenção do médico não foi a de intervir no mecanismo fisiopatológico da polirradiculoneurite, mas sim de tratar um estado de falência circulatória, geralmente poucos minutos ou horas antes do óbito desses doentes.
O subgrupo CC era composto por dois homens e duas mulheres e o SC por três homens e três mulheres. Todos os pacientes tinham idades entre 15 e 45 anos, exceto um doente do subgrupo SC, que tinha idade superior a 45 anos e outro do subgrupo CC,cuja data de nascimento era ignorada. O tempo da admissão ao déficit motor máximo
foi inferior ou igual a uma semana em dois pacientes do subgrupo CC e em três do subgrupo SC. Ficou entre uma e duas semanas em dois pacientes SC e em um paciente
do subgrupo CC este tempo não foi bem estabelecido nas evoluções do prontuário. Um paciente de cada subgrupo levou de duas a três semanas para atingir esse déficit máximo. tempo de internação variou de 33 a 120 dias, com média de 63,7 desvio - padrão de 33,8 dias no subgrupo CC e de 6 a 98 dias, com média de 42,5 e desvio - padrão de 31,5 dias, no subgrupo SC. No subgrupo SC ocorreram 50% de mortes ( três em 6 pacientes) e no subgrupo CC essa cifra foi de 75% ( três em 4 pacientes ) . As mortes ocorreram,no subgrupo SC, no 6', 10» e 36"? dias de internação, correspondentes, respectivamente, ao 7», 17» e 66" dias de doença. No subgrupo CC elas ocorreram no 33», 42» o 60» dias de internação, isto é, no 37», 47» e 81» dias de doença. Dos pacientes tratados com corticóides, todos os que faleceram tiveram complicações autonômicas ( labilidade tensional, taquicardia ). Todos os doentes do subgrupo SC tiveram infecção respiratória,sendo que dois deles tiveram também infecção urinária. No subgrupo CC, todos tiveram infecção respiratória.
COMENTÁRIOS
A síndrome de Guillain - Barré acometeu, nesta série, principalmente pessoas em idade produtiva ( entre 15 e 45 anos ) . Em 26 casos a evolução para o déficit motor máximo se fez durante a primeira semana. A forma de apresentação foi predominantemente motora, com acometimento de nervos cranianos( 6 4 , 7% dos casos) e da sensibilida de superficial ( 5 6 , 9 % ) . Os nervos cranianos mais comumente acometidos foram o VII ( em geral bilateralmente ), o IX e o X. Os nossos resultados, em relação aos pares cranianos acometidos, estão de acordo com a revisão feita por Andersson e Sidén 2, em 1 9 8 2; o mesmo ocorre
com relação à precocidade do estabelecimento do déficit motor máximo, os nossos pacientes atingindo esse estágio em torno de uma semana e os deles em até 10 dias. Os pacientes que faleceram apresentaram complicações importantes resultantes de disfunção autonômica, como em outras séries da literatura 6 , 1 1 , 1 2 . Hughes e col. em sua revisão sobre o tratamento da síndrome de Gu illain-Barré, mostraram como a tendência à recuperação espontânea dos pacientes encorajou o uso de variadas panaceias no seu tratamento, do ópio aos banhos quentes por exemplo. Mais recentemente, têm sido empregadas a plasmaferese 1.5,9.17, as drogas imunossupressoras 13, e os corticosteróides 8,15,16.A história da corticoterapia da polirradiculoneurite pós - infecciosa pode ser dividida, de modo esquemático, em três fases principais 7 : a) um período marcado por relatos de casos isolados, com resultados aparentemente favoráveis,porém incapazes de vencer o ceticismo de muitos, entre os quais sobressai
Plumio, e que corresponde à década de 50; b) uma fase em que predominava a impressão de que os corticóides evitavam a progressão da doença e aceleravam o início da recuperação ( anos 60 ) ; c) finalmente, nos anos 70, houve retorno ao ceticismo inicial. Em 1976, Swick e McQuillen ( citados por Hughes.) divulgaram os resultados de um estudo controlado com o ACTH e concluíram que esse medicamento diminuía a duração da doença e era, portanto,útil para o tratamento dela. Outro estudo, controlado e multicêntrico, com 40 pacientes, sendo 21 tratados com corticóides e 19 sem esse tipo de medicação,realizado em Londres por Hughes e col. 8, levou à conclusão oposta, uma vez que os pacientes que usaram o corticóide ( prednisolona) tiveram recuperação um pouco mais lenta que os do grupo controle, sendo essa diferença estatisticamente significativa nos três primeiros meses de convalescença. Fato importante freqüentemente registrado na literatura e que também se verificou em nosso estudo é a ocorrência de recidivas apenas nos grupos de pacientes tratados com corticosteróides 8,14,15. Considerando - se o tempo de internação ( média e limites máximo e mínimo) os pacientes dos grupos I e II que usaram corticóides ficaram menos tempo na enfermaria ao passo que no grupo III, pelo contrário, o uso de corticosteróides foi associado a tempo de internação prolonga do comparativamente a os doentes que não haviam recebido esse tipo de medicação. Nenhuma dessas diferenças apresentou, entretanto, significância estatística a nível de p < 0 , 0 5 .
Em conclusão, o presente estudo não evidenciou diferença significativa na evolução clínica dos pacientes com síndrome de Guillain - Barré que foram tratados com corticosteróides, comparativamente àquela dos pacientes que não receberam esse tipo de medicação. Embora também não tenham ocorrido complicações graves atribuíveis direta eexclusivamente à corticoterapia, observamos que os únicos casos derecidivas ocorreram em pacientes que receberam esse tipo de tratamento. O Hospital de Base do Distrito Federal recebe muitos pacientes domiciliados em localidades distantes, que a elas retornam após a alta, o que
limita as suas possibilidades de acompanhamento ambulatorial subseqüente. Por esse motivo, não nos foi possível avaliar com precisão as seqüelas definitivas dos doentes incluídos nesta análise. Os achados deste estudo não nos encorajam no sentido de usar corticoterapia nos pacientes com a forma aguda da síndrome de Guillain - Barré. Até que se demonstre uma ou várias etiopatogenias nessa síndrome, tornando - se assim possível identificar quais pacientes que poderão se beneficiar de determinada terapêutica, comparada da progressão dos sintomas e/ ou aceleração indubitável da recuperação, concordamos com Hughes e col .8,quando afirmam que "a enfermagem meticulosa, a fisioterapia, a atenção para com os riscos de insuficiência respiratória e complicações circulatórias continuam sendo os aspectos fundamentais do tratamento,
R E S U MO
Os autores fazem estudo retrospectivo de 51 pacientes com síndrome de Guillain - Barré, internados no Hospital de Base do Distrito Federal de 1974 a 1984. Dezoito desses doentes foram tratados com corticosteróides ( prednisona ou dexametasona) e os outros 33 não receberam esse tipo de medicação. A evolução clínica ( grau de recuperação, seqüelas, complicações, causa mortis) e o tempo de internação são comparados nesses dois grupos. Conclui - se que a corticoterapia não alterou de modo significativo a evolução da doença. Além disso, os dois únicos casos de recidivas ocorreram em pacientes tratados com corticosteróides.

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