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domingo, 31 de julho de 2011

Tratamento com Imunoglobulina Humana

Imunologia e Alergia
Aqui você confere artigos exclusivos sobre Imunologia e Alergia, escritos pelo Prof. Dr. Luiz Fernando Jobim e Dra. Luciane Failace.

Imunodeficiências Primárias: Tratamento com Imunoglobulina Humana
Dra. Luciane Failace e Dr. Luiz Fernando Jobim

1. INTRODUÇÃO
A maioria das imunodeficiências tem origem genética e manifestam-se clinicamente por infecções repetidas, persistentes e provocadas geralmente por agentes de baixa patogenicidade.
As imunodeficiências são classificadas de acordo com o componente afetado do sistema imunológico. Assim sendo, temos defeitos predominantes de anticorpos (linfócitos B), defeitos predominantes da imunidade celular (linfócitos T), defeitos combinados de anticorpos e da imunidade celular (linfócitos B e T), deficiências funcionais dos fagócitos e deficiências do sistema complemento.
Existem alguns padrões infecciosos característicos. Os defeitos na produção de anticorpos resultam em infecções por microrganismos piogênicos, principalmente H. influenzae e S. pneumoniae. Os defeitos da imunidade celular são comumente associados às infecções por fungos, protozoários e microrganismos intracelulares, tais como os vírus e micobactérias. Infecções cutâneas profundas, abcessos e osteomielites são freqüentemente observados em pacientes com defeitos da fagocitose.
O diagnóstico precoce das imunodeficiências permite o tratamento adequado, reduzindo significativamente a mortalidade e a morbidade por infecções recorrentes.
Nas imunodeficiências com predominância de defeitos de anticorpo a terapia de reposição dos anticorpos pelo uso de gamaglobulina endovenosa ou subcutânea permite diminuir a freqüência e a severidade das infecções, prevenindo complicações e seqüelas, assim como a necessidade de antibióticos contínuos e de hospitalizações freqüentes.
A gamaglobulina disponível comercialmente é composta principalmente de IgG. As principais características terapêuticas dessa imunoglobulina são:

- A IgG corresponde a cerca de 15% das proteínas do soro e ao redor de 80% dos anticorpos séricos totais.
- Tem meia-vida prolongada: entre 20 a 30 dias.
- Difunde-se bem em todos os tecidos.
- Tem boa atividade anti-bacteriana, anti-viral, anti-toxina e anti-protozoários.
- Os receptores para a fração FC se encontram em várias células envolvidas na resposta imune.
- É a única que cruza a placenta.

2. CLASSIFICAÇÃO – CID 10
- D80 Imunodeficiência com predominância de defeitos de anticorpos
- D81 Deficiências imunitárias combinadas
- D82.0 Síndrome de Wiskott-Aldrich
- D82.1 Síndrome de Di George
- D83.0 Imunodeficiência comum variável com predominância de anormalidades do número e da função das células B
- G11.3 Ataxia-telangiectasia

3. DIAGNÓSTICO
3.1. Diagnóstico Clínico

Os pacientes com defeitos de anticorpos geralmente apresentam infecções após o 7° mês de vida, devido à proteção inicial decorrente dos anticorpos maternos recebidos durante o último trimestre da gestação. As infecções são causadas por bactérias encapsuladas, como S. pneumoniae e H. influenzae tipo b.
Ambas imunidades, humoral e celular, estão severamente comprometidas nas imunodeficiências combinadas. Os sintomas costumam ser precoces, geralmente antes do 6° mês de vida, com infecções virais, bacterianas, fúngicas e por protozoários.
Os pacientes com imunodeficiência comum variável geralmente apresentam sintomas de início mais tardio, por volta de 15 a 35 anos. Além do aumento da suscetibilidade às infecções piogênicas, apresentam também alta prevalência de doenças auto-imunes.
Na síndrome de Wiskott-Aldrich os sintomas se manifestam por volta do 6° mês de vida com infecções piogênicas recorrentes, eczema e trombocitopenia. Existe uma diminuição da função dos linfócitos T e diminuição da resposta dos anticorpos aos antígenos polissacárides.
Na síndrome de Di George ocorrem anormalidade faciais características, aplasia ou hipoplasia do timo e das paratireiódes, alteração da função dos linfócitos T e comprometimento variável da imunidade humoral.
Na ataxia-telangiectasia, os sintomas aparecem após o 2° ano de vida, com o desenvolvimento progressivo de ataxia, telangiectasias cutâneas e conjuntivais e infecções sinopulmonares recorrentes. Pode ocorrer deficiência de IgA e deficiência de subclasses de IgG, principalmente IgG2.

3.2. Diagnóstico Laboratorial

Embora a suspeita de uma imunodeficiência seja levantada com base nos dados clínicos, o diagnóstico definitivo da doença necessita da ajuda de exames complementares gerais (hemograma, plaquetas, Rx do torax e seios da face...), assim como específicos:

Avaliação da imunidade humoral:
- Dosagem das imunoglobulinas: IgG, IgA, IgM, IgE
- Dosagem das subclasses de IgG: IgG1, IgG2, IgG3, IgG4
- Avaliação da síntese ativa de anticorpos: dosagem das isohemaglutininas anti-A e anti-B, dosagem dos anticorpos pós-vacinais (anti-tétano, anti-difteria), dosagem de anticorpos anti-polissacárides do pneumococo (pré e pós-vacinais).
- Quantificação de linfócitos B (CD19, CD20)

Avaliação da imunidade celular:
- Quantificação das sub-populações de linfócitos T (CD3, CD4, CD8)
- Testes de hipersensibilidade cutânea tardia: PPD, candidina, tétano, estreptoquinase, tricofitina.
- Cultura de linfócitos com mitógenos (PHA, CON A, PWM, candidina)

4. TRATAMENTO
4.1. Critérios de Inclusão:

A reposição de imunoglobulina esta indicada nas imunodeficiências primárias que apresentem deficiência de IgG quantitativa (hipogama e agamaglobulinemia) ou qualitativa (deficiência de anticorpos com imunoglobulinas normais).
Indicações Absolutas: imunodeficiências em que exista deficiência quantitativa de IgG, acompanhada de infecções recorrentes e história natural de complicações a longo prazo.
- Agamaglobulinemia ligada ao X
- Imunodeficiência comum variável
- Síndrome de hiper IgM
- Síndrome linfoproliferativa ligada ao X com hipo ou agamaglobulinemia
- Imunodeficiência combinada grave
- Síndrome de Wiskott-Aldrich
- Ataxia-telangiectasia
Indicações relativas: síndromes com IgG normal ou próxima dos valores normais para a idade e com deficiência de anticorpos específicos comprovada, além de história de infecções recorrentes moderadas ou severas.

- Deficiência de subclasses de IgG - Hipogamaglobulinemia transitória da infância - Deficiência de anticorpos específicos contra antígenos polissacárides de pneumococo - Síndrome de Di George

4.2 Critérios de exclusão

A única contra-indicação absoluta para reposição de imunoglobulina é a deficiência seletiva de IgA.

5. CASOS ESPECIAIS
A aplicação de imunoglobulina poderá ser indicada em pacientes com hipogamaglobulinemia transitória da infância, deficiência de subclasses de IgG e deficiências de anticorpos específicos contra antígenos de polissacárides, desde que exista quadro infeccioso recorrente, moderado ou severo e que possa deixar seqüelas ou colocar em risco a vida do paciente.

6. TRATAMENTO
6.1. Fármaco e Apresentações

- Imunoglobulina Humana para uso endovenoso: frasco com 2,5; 3; 5; 6 e 10 gramas
- Imunoglobulina Humana para uso intramuscular ou subcutâneo: frasco ampola com 320 mg

Em 1982, uma comissão da OMS estabeleceu critérios para a produção de gamaglobulina endovenosa:

O plasma deverá ser de doadores voluntários e sadios, coletado de um mínimo de 1000 doadores (ideal entre 5000 e 10000) para assegurar alta concentração e adequada diversidade de anticorpos contra agentes infecciosos e toxinas.

1. O produto deve ser livre de atividade precalicreína, cininas, plasmina, agregados de proteínas e preservativos.
2. Deve conter pelo menos 90% de IgG intacta, com boa atividade biológica
3. A concentração de subclasses de IgG deve ser normal
4. Deve ter um amplo espectro de anticorpos, principalmente contra tétano e sarampo.
5. Cumprir normas de bio-segurança: dosagem plasmática das alaninoaminotransferases, do antígeno de superfície da hepatite B, de anticorpos para o vírus da hepatite C e antígenos e anticorpos para HIV e sífilis
6. O processamento deve incluir técnicas de inativação viral.

6.2. Esquemas de Administração

Dose inicial
- Imunoglobulina endovenosa: 250-400 mg/kg a cada 3-4 semanas.
- Imunoglobulina subcutânea: 100 mg/kg/semana, utilizando-se bomba de infusão contínua e equipo dotado de agulha de insulina dobrada. Não existe dor local significativa, mas creme com anestésico pode ser aplicado antes da infusão. Esta aplicação é mais adequada para pacientes com acesso venoso difícil ou que prefira realizar aplicação domiciliar, podendo ser aplicada em mais de um local. Sugere-se o subcutâneo ao redor do umbigo. A meta é alcançar um nível de IgG sérica maior que 500 mg/dl antes da próxima infusão.

Ajuste de dose
A dose de Imunoglobulina endovenosa deverá ser aumentada nos casos de infecções que precedem às infusões. Quando isso ocorrer, devemos dosar a IgG e, se for o caso, aumentar a dose ou a frequencia das infusões.

Velocidade de infusão

- Imunoglobulina endovenosa: Recomenda-se ajustar a velocidade de infusão em mg de IgG/kg/min. As primeiras infusões devem ser iniciadas com 1 mg de IgG/kg/min, e a cada 30 minutos o gotejo pode ser aumentado para 2, 3 e 4 mg de IgG/kg/min. Nas infusões subseqüentes, se houver boa tolerância, pode-se iniciar com 2 mg de IgG/Kg/min, e a cada 30 minutos aumentar para 4, 6 e 8 mg de IgG/kg/min. Alguns pacientes toleram bem aumentos progressivos na velocidade de infusão até 32 mg de IgG/kg/min.
- Imunoglobulina subcutânea: recomenda-se ajustar a velocidade de infusão progressivamente. Geralmente inicia-se com 10 ml/h podendo chegar até 40ml/h. O volume de infusão também deve ser limitado em cada sítio. Doses em torno de 14 ml por sítio de infusão costumam ser bem toleradas.

6.3. Benefícios esperados com o tratamento clínico

- Os objetivos do tratamento de reposição com gamaglobulina são diminuir a freqüência e severidade das infecções, diminuir a necessidade de uso de antibióticos, reduzir o número de internações hospitalares e prevenir o desenvolvimento de complicações e seqüelas.
- Os pacientes com deficiências de anticorpos que recebem terapia de reposição de imunoglobulina de forma adequada, tem condições de levar uma vida completamente normal, inclusive podem estudar e trabalhar sem grandes riscos.

6.4. Tempo de Tratamento

A duração do tratamento com reposição de imunoglobulina costuma ser por toda vida nos pacientes com deficiência absoluta de anticorpos.
Na deficiência de anticorpos contra polissacárides, a reposição de imunoglobulina somente está indicada naqueles pacientes com infecções freqüentes e severas que possam deixar seqüelas ou incorrer em risco de vida. Tem se observado que após 2 anos de tratamento com imunoglobulina existe uma nítida melhora do quadro clínico e pode haver recuperação da capacidade de responder a antígenos polissacárides após nova vacina. Por isso, pode-se suspender a reposição de imunoglobulina e reavaliar a capacidade de produzir anticorpos específicos.

7. MONITORIZAÇÃO e REAÇÕES ADVERSAS
Antes de iniciar a primeira aplicação de imunoglobulina deve-se dosar a IgG sérica, e repetir a dosagem no dia anterior à próxima aplicação, durante pelo menos 6 meses. Quando duas dosagens seguidas demonstram níveis de IgG maior que 500 mg/dl (níveis protetores), os controles mensais podem ser suspensos e realizados a cada 3 ou 6 meses.
A monitorização das complicações do tratamento deve ser feita antes do início e após a cada 1 ou 2 anos com hemograma completo, provas de função renal e provas de função hepática.
A maioria dos efeitos colaterais da terapia de reposição com imunoglobulina endovenosa se relacionam com a velocidade de infusão e podem ser prevenidos calculando-se a velocidade de infusão em mg/kg/min e aumentando gradativamente a à velocidade durante a administração.
As reações que ocorrem durante ou pouco depois da infusão são reações inflamatórias típicas com mialgias, calafrios, sensação de aperto no peito, ansiedade, dor abdominal e dorsal, eritema cutâneo, cefaléia e vômitos. Nas reações moderadas basta reduzir a velocidade de infusão e administrar acetaminofen ou ácido acetil salicilico e anti-histamínico. Nas reações mais intensas deve-se suspender a infusão e administrar corticóides por via endovenosa.
Reações anafiláticas são mais raras, mas potencialmente fatais. O mecanismo de ação é a degranulação de mastócitos causada por reação mediada por IgE, geralmente pela presença de anticorpos IgE anti IgA.. Estas reações podem ser prevenidas evitando a infusão de imunoglobulina em pacientes com deficiência seletiva de IgA que tenham níveis e funções normais das outras imunoglobulinas. O tratamento das reações anafiláticas será com anti-histamínicos, adrenalina e corticosteróides.
A infusão subcutânea de imunoglobulinas não costuma dar reações adversas, mas quando acontece é relacionada com edema local e eritema.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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